quarta-feira, 18 de junho de 2008

Cedo demais para chorar


Não era nem 6:30 e meus olhos já estavam abertos, dessa vez queria que fosse diferente, queria aproveitar os últimos minutos ao teu lado, em silêncio, queria gravar todos os detalhes do teu corpo, todos os traços do seu rosto. Minha barriga doía de nervoso, tristeza, saudade antecipada. Seus olhos cerrados, o rosto sereno, como uma criança que dorme sem as preocupações da vida. Cheirei seu pescoço, deitei sobre seu peito. Não queria chorar, era cedo demais. Naquele momento pedi que o tempo parasse, ou que Deus me devolvesse mais um dia. Mas ele não atendeu meu pedido, talvez não pudesse.
Naquele almoço eu poderia ter comido mais devagar e ter conversado mais, naquele jantar poderia ter comido menos e mais depressa, poderia ter bebido mais também, ter te acompanhado nas tuas loucuras, dormido menos. Ter te dado beijos mais duradouros, ter trepado até amanhecer.
Droga de tempo que não volta! Droga de hora que passava rápido demais. Nada adiantava, eu estava lá de novo, prestes a partir, mais uma vez engasgada até onde se pode sentir falta de ar. Engasgada de ir embora, engasgada de você nunca voltar. Engasgada de você sempre sorrir, sempre fazer a coisa sensata, correta e educada. Engasgada de te amar.
Minutos mais tarde já escutava a vaca da vizinha de cima com seu mesmo salto alto das 7 da manhã, desfilando sob nossas cabeças.
Seus braços me abraçaram levemente com sua deliciosa preguiça matinal, tua mão acarinhou meus cabelos e teu semblante despreocupado deu lugar a testa franzida. Nos olhamos, como uma promessa de que a vida não vai acabar antes que acordemos sempre juntos. E com a certeza que para sempre vamos nos amar mesmo com o desgaste das olheiras e remelas. Respirei aliviada e mesmo distante de Deus eu senti que ele nos abençoa.
Queria ter agradecido os quatro dias maravilhosos que me proporcionasses, queria ter dito que não queria partir, mas não consegui dizer nada, sentia minha garganta embolar e meus olhos arderem. Não queria chorar era cedo demais... Ainda bem que não preciso falar, ainda bem que você me entende com teus olhos, me acalma com teus braços. E fala tudo que tem para ser dito por nós.
Dói demais toda vez que vou embora. Quanto tempo vou ficar sem teu sorriso? Sorriso de menino levado, boca entreaberta, língua entre os dentes. Quando você sorri, doce, imagino meus filhos. Exatamente com a mesma ironia pura estampada na cara: um misto de esperteza, com insegurança disfarçada.
Quanto tempo sem ouvir você cantar as músicas que gosto inventando as partes que desconheces? Quanto tempo sem ouvir sua bronca educada porque não tem coragem de brigar comigo quando me olha nos olhos?
Dói demais partir, dói ainda mais saber que não sei quando irei voltar. Mas tenho certeza que volto para você, cedo ou tarde. Volto para voltar a te amar.
Nós, poesia com rima, brega, porque amor é brega, romantismo é brega, eu adoro ser brega por você e para você. Sabemos exatamente o que queremos, rimamos para que exista cumplicidade.
Voltemos para as nossas rotinas, vidas, linhas, uma redação com margem, tamanho e estilo redigidos por você. Um diário sem limites para mim.

Dói demais ter que caminhar sozinha um caminho que sei que foi escrito para que nós dois percorrêssemos juntos, dói demais não ter você para me puxar pela mão para que caminhemos no mesmo ritmo, compasso, tempo. Dói demais não ter você para me ensinar a tomar a melhor decisão. Dói demais te deixar para trás. No avião deixei que as lágrimas lavassem meu rosto, mas era tarde, tarde demais para chorar.

2 comentários:

:: Daniel :: disse...

Querida Carla,

Fico feliz em saber que as palavras lá na velha casa lhe confortaram de alguma forma. Não por terem qualquer dom de cura, mas porque ali eu tiro o curativo mesmo, cutuco o machucado pra ver o que dele sai. Geralmente são palavras confusas, imagens que eu tento conectar e exponho ao mundo, aos amigos reais e daqui, da blogsfera. Nada é ficção, embora às vezes eu use personagens ou metáforas. Tudo aqui é do morador da velha casa, que lhe abre as portas sempre que quiser entrar.

E não tenha vergonha de ser como você é. Todos somos sententes e sentidor, para lembrar Guimarães Rosa.

Bjo grande,
Daniel

Beatriz disse...

Carla, adorei o teu blog! Tens um jeito gostoso de falar sobre o cotidiano, de contar suas histórias de vida, e com isso nos mostrar o teu modo de encarar as situações que te rodeiam. Nota-se uma extrema sinceridade nos teus atos e nos dás a conhecer uma pessoa sensível, inteligente, amorosa.

O texto atual é de uma delicadeza ímpar, poesia pura mostrada numa relação onde os sentimentos e as emoções se refletem com sutileza.

Parabéns pelo teu belo espaço!

Deixo flores, sorrisos e estrelas, enfeitando a tua semana. Deixo também um beijo no teu coração!